quarta-feira, 17 de agosto de 2011

ENTREVISTA - Flavio Gomes: "Sempre é legal torcer para a Portuguesa, porque é um time diferente"

*com colaboração de Felippe Scozzafave, Fausto Fagioli e Marcos Souza

Jornalista, apresentador e comentarista das TVs e rádio da ESPN, piloto, professor, escritor e dono do site Grande Prêmio, especializado em automobilismo.Mas, antes de tudo isso, torcedor da Portuguesa.

A história do início da história entre ele e a Portuguesa foi contada pelo próprio Flavio Gomes no último dia oito, quando completou 40 anos de arquibancada. O texto pode ser lido no blog dele (clique aqui).

Na entrevista concedida ao Lado B SP, Flavio Gomes conta as loucuras de um torcedor para acompanhar seu time, como convenceu os filhos a torcerem para a Lusa e analisa um pouco da atual situação do futebol brasileiro.

LADO B SP: Na sua adolescência, mesmo morando em Campinas, ia muito ao Canindé. Como era enfrentar a estrada para assistir a um jogo de futebol?


FLAVIO GOMES: Era ótimo. Foi, durante quatro anos, minha rotina. A Portuguesa jogava muito à tarde, porque não tinha iluminação no Canindé. Saía da escola, pegava o Cometão, descia na antiga rodoviária da Luz, ia a pé até o metrô onde hoje fica o coração da Cracolândia, descia na estação Ponte Pequena (hoje Armênia) e caminhava pelo terreno baldio atrás da Escola Técnica Federal até o Canindé. Ia sempre com a camisa da Leões e calça branca, uniforme da torcida. Depois fazia todo o trajeto de volta e chegava a Campinas de noite. Na época eu anotava todos os jogos a que ia no estádio. Foram exatos 100 nesses quatro anos de Campinas. Quando o jogo era no interior, o ônibus da torcida me pegava na estrada.

LADO B SP: Você chegou a ser presidente da Leões da Fabulosa? Como foi? Como você vê as torcidas organizadas hoje em dia?

FG: Eu tinha 18 anos e escrevia a coluna "Jornal dos Leões" no "Popular da Tarde", jornal esportivo do "Diário Popular". O time estava em crise, ninguém queria pegar a torcida e eu peguei. Por um ano, mais ou menos. Mas como a torcida era bancada financeiramente pelo clube e eu falava muito mal da diretoria nas minhas colunas no jornal, me deram uma dura. Foi num jogo no Parque Antarctica. Pediram para pegar leve. Eu tirei a camisa na hora e saí da torcida. Mas foi um período legal, organizei caravanas, cuidava das carteirinhas, fazia campanhas sociais (doação de órgãos, de córneas, essas coisas), era um grupo muito família, esse da Leões nos anos 80. Depois fui para a Força Jovem e mais tarde larguei esse negócio de organizada. Hoje, algumas são controladas por gangues de  criminosos. Não curto muito. Embora não se possa generalizar.

LADO B SP: Você já chorou pela Portuguesa? Quando e por quê?

FG: Várias vezes. Quando perdeu do Vasco com 50 mil pessoas no Pacaembu em 1984, quando perdeu para o Grêmio em 1996 na final do Brasileiro, quando voltou à Série A1 do Paulista...

LADO B SP: Como convenceu Pedro e Yuri (os Gominhos) a torcer pela
Portuguesa diante da concorrência de Santos, Palmeiras, São Paulo e Corinthians?

FG: Primeiro, é fácil quando você começa a levar cedo ao estádio, começa a introduzi-los no mundo do futebol de verdade, que é na arquibancada, e não diante da TV. Os amiguinhos deles, que torcem para os outros grandes, morrem de inveja. Vivem sendo campeões, mas não vivenciam essa experiência de verdade. Eles morrem de inveja porque os Gominhos vão ao Canindé em todos os jogos, e vamos ver jogos fora, também, com frequência. Já fomos a Bragança, Campinas, São Caetano, Recife, Barueri... Algo que os coleguinhas não fazem, porque seus pais são os típicos torcedores de sofá e pay-per-view. Eles não se sentem diminuídos porque torcem para a Portuguesa. Muito pelo contrário. Se orgulham do time, entendem de futebol, sofrem, se alegram, vivem tudo aquilo que o futebol de verdade oferece. Xingam o juiz e o juiz ouve. Vaiam, aplaudem, se emocionam. Tomam sol, chuva. Mas lá atrás tive de usar alguns artifícios. Quando eram bem pequenos, o Santos estava por cima e alguns amigos meus, malas, queriam seduzi-los com aquelas bobagens de dar camisa, boné. Aí eu os levava para ver jogos fáceis, Rio Branco de Americana, Inter de Limeira, essas coisas, e dizia que era o Santos, por causa do uniforme. O União São João virava Palmeiras, o Botafogo de Ribeirão era o São Paulo, o América de Rio Preto era o Arsenal. A Lusa ganhava e eles se sentiam por cima. Claro que isso durou até os 4 ou 5 anos, depois eles já entendiam tudo. Nunca tiveram vergonha do time. São verdadeiramente apaixonados.

Flavio e os Gominhos, no Canindé
LADO B SP: Com qual frequência você vai ao estádio? Leva seus filhos? Qual a maior loucura que já fez pra assistir um jogo?

FG: Vamos a todos os jogos no Canindé. Todos. E eles vão comigo, claro. Loucura, com eles, foi ir a Recife para o último jogo da Série B do ano passado, mesmo sabendo que seria muito difícil subir. Mas eu, sozinho, já fiz várias. Uma vez deixei de ir ao aniversário de um ano da minha sobrinha, a primeira, pra ver um jogo no Morumbi com o Corinthians, em 1998. Crise familiar.

LADO B SP: Como você vê o atual time da Lusa? Em um momento que o futebol anda tão chato, é legal torcer para a "Barcelusa"?

FG: Sempre é legal torcer para a Portuguesa, porque é um time diferente e porque, como disse, é futebol de verdade. Sem marketing babaca, áreas VIP, setor VISA, essas merdas. É paixão incondicional, a gente torce e não pede nada em troca. Quanto ao time, é muito bom. Jogaria fácil a Série A e enfrentaria qualquer um de igual para igual. O Jorginho é o grande arquiteto disso tudo.

LADO B SP: Juventus e Nacional, outros times da capital paulista, tiveram uma queda muito grande e hoje estão em divisões inferiores do futebol paulista? Você teme que a Portuguesa siga o mesmo caminho? O que acha das quedas dos times tradicionais?

Torcida da Portuguesa no Pacaembu,
em 1984 / Arquivo Pessoal
FG: É um erro comparar Juventus e Nacional à Portuguesa. Esses nunca foram grandes, nunca tiveram destaque nacional. A Portuguesa, nos anos 50, cedeu 10 jogadores à seleção brasileira. A torcida da Portuguesa é imensamente maior que a do Juventus e do Nacional. Esses são times de bairro, adoro os dois, mas não vejo comparação entre eles e a Lusa.

LADO B SP: Você diz que é lindo ver o Santa Cruz lotar estádios mesmo na Série D,e elogia os times do Nordeste por lotar os estádios. Como você vê ostimes de São Paulo, que nem os grandes, nem os "pequenos" (como São Caetano e Grêmio Barueri) conseguem público para seus jogos? Qual seria a solução?

FG:  O São Caetano foi uma exceção no final dos anos 90, time de prefeitura. O Barueri é a mesma coisa. Há alguns fenômenos de popularidade no Estado, como a Ponte, o XV de Piracicaba, o Comercial, times que têm torcedores de verdade. O problema é que o formato de negócio que o futebol brasileiro adotou, elitista, bobo, está matando o verdadeiro futebol, o interior de SP, do RS, do PR, o futebol do Centro-Oeste, do Nordeste. O torcedor paulista e paulistano, em geral, é bobo, metido a competitivo, antipático. As pessoas não sabem mais o que é gostar de verdade de um time. No Nordeste isso sobrevive, há dezenas de exemplos de clubes cujas torcidas são realmente apaixonadas: Paysandu, Santa, Bahia, Brasil de Pelotas, Criciúma, XV, Comercial, times ligados às suas cidades, motivo de orgulho de quem vive nesses locais.

LADO B SP: Você defende que o Campeonato Brasileiro seja disputado em mata-mata e com uma grande quantidade de times. Ficou agradado com a nova proposta do Campeonato Argentino com 40 equipes?

FG: O negócio na Argentina não passou. Quanto ao Brasileiro, acho que é longo demais, e muito cedo, depois de poucas rodadas, boa parte dos times não tem mais o que fazer no campeonato. É uma coisa deprimente, passar cinco, seis meses cumprindo tabela. Sou a favor ou de mata-mata com fase final de 8, ou de 4 divisões de 16 times com pontos corridos, campeonatos com 30 datas e distribuição de vagas na Libertadores e na Sul-americana por todas as divisões, fortalecimento dos estaduais, Copa do Brasil o ano todo, valorização do futebol que foi assassinado pela Globo e pela babaquice de boa parte da imprensa, que acha que temos de ser a Europa. O Brasil não é a Europa.

LADO B SP: Pra finalizar. Acredita que a Portuguesa voltará a disputar títulos em alto nível? O que é preciso pra que isso aconteça?

FG: Não me importo com isso, sinceramente. Se voltar, ótimo. Se não voltar, continuarei sendo o torcedor que sempre fui. Acho que o clube tem condições, sim. Tem estádio, tem tradição, camisa, torcida, simpatia. É preciso ter ideias boas e insistir nelas, boa gestão, investimento na base, essas coisas. Mas não tenho ilusões. A divisão de grana que a Globo impôs aos clubes vai fazer com que, em pouco tempo, três ou quatro se imponham sobre os demais. Vão matar o futebol e não se tocaram, ainda.

14 comentários:

  1. É isso aí! Torcedor tem que torcer independente da fase ou da divisão que o time está...

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  2. Nossa, o cara é mto fera.. "Sem marketing babaca, áreas VIP, setor VISA, essas merdas. É paixão incondicional, a gente torce e não pede nada em troca."
    Demais, demais..

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  3. Meninos e meninas, meu nome não tem acento. E essa foto é na Ilha, não no Canindé. Aliás, era a pior das que mandei...

    FG

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  4. corrigido o nome Flavio. mas a foto é a do Canindé mesmo. Na foto original dá pra ver a pintura do muro...

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  5. HAHAHAHA. Sensacional.

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  6. Cacete, eu que estava no estádio e vocês insistem... Esse jogo foi na Ilha do Retiro no ano passado.

    FG

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  7. Ops, falha minha e assumo. De fato, esse jogo foi no Canindé. Na verdade, era pegadinha pra ver se vocês estão espertos...

    FG

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  8. uhauahuaha fg eh chato demais mas oq tem de chato tem de competente e autentico. leio seu blog tem uns bons anos ja. (teclado se acento...)

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  9. "O torcedor paulista e paulistano, em geral, é bobo, metido a competitivo, antipático. As pessoas não sabem mais o que é gostar de verdade de um time."

    Desculpa de quem torce para um time que não ganha nem pebolim. Desculpe-me, FG, mas o objetivo principal do futebol é ser campeão. Não culpe os torcedores dos demais times de São Paulo pelo fato de a sua Portuguesa ser um time de bairro, inexpressivo.

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  10. FG é demais! Pelo mundo cheio de frescuras em que vivemos, ele pega pesado às vezes, mas está certíssimo no que diz!

    Estão matando o futebol e não se deram conta...

    Aliás, a diretoria da Lusa quer desenterrar a ideia de mudar o nome do time...

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  11. Ótima entrevista. O FG tem razão, futebol é paixão, ódio, festa, tristeza, alegrias, é um conjunto de coisas que só quem entende sabe o que é. Acho que o JOMAS é são-paulino, por isso disse aquilo. É o tipo de torcedor que não entende nem gosta muito de futebol e só veste a camisa quando o time ganha, se perde três seguidas, fala que não gosta de jogo de bola.
    O blog é bem legal, pessoal, parabéns. Daqui alguns anos, sou eu quem estarei por ai fazendo a pós em Jornalismo Esportivo.
    Grande abraço a todos, sucesso...!!!

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  12. Carlos Augusto, entendo bem o que o FG quis dizer e concordo que o futebol está cada vez mas chato, mas dizer que os torcedores dos demais clubes de São Paulo é chato é, no mínimo, desculpa de quem diz que gosta de um time por este ser diferente ou coisa do tipo.

    E pelo seu comentário, parece que você é corintiano, que acha que é mais torcedor que os outros porque o time tem uma torcida grande e utiliza este artifício para minimizar a glórias dos adversários, que são mais vencedores que o "time do povo".

    Não, não sou são-paulino.

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